Silvero Pereira Foto: Reprodução / Facebook |
Silvero Pereira com 31 anos de idade já é considerado um dos grandes atores de
Fortaleza. O teatro está em sua mente e coração. As inquietudes transformam-se arte no palco. Além de ator, ele é professor, diretor, pesquisador, produtor,
figurinista assim é o jovem que tem na sua bagagem muita história para contar.
Em uma entrevista pingue-pongue o artista fala sobre a sua história, a importância da
profissão em sua vida, assim como o conceito dos seus espetáculos. Confira.
Silvero é considerado pelo o seu público como a vedete do teatro cearense. O ator vem desenvolvendo um trabalho significativo que une pesquisa, experimentação estética/artística e comprometimento político com as questões do movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTTT). O artista enfatiza que a sua fonte de inspiração é a sociedade em geral.
A infância
Lucas Almeida: Você começou a trabalhar muito cedo, aos 12 anos de idade. Como foi
esse período em sua vida?
Silvero Pereira: Éramos uma família “pobre de jó” que comíamos apenas arroz no almoço e jantar. Já o café da manhã tinha de ser pipoca, porque era o que mais rendia para os cinco filhos. Assim, trabalhar muito cedo era uma forma de ajudar nas despesas. Entretanto, minha mãe sempre me incentivou muito nos estudos, trabalhar sim, mas desde que continuasse estudando. Foi uma fase difícil porque tive pouco da infância, pouco tempo para vivê-la. Mas essa fase também me fez amadurecer muito rápido e aprender a correr atrás das coisas e dos sonhos.
LA: Hoje, você tem contato com a sua família?
SP: Tenho ótima relação familiar. Sempre que posso vou à Mombaça, interior do
Ceará, e fico dias com a minha família e os meus sobrinhos. Mas devido a minha
agenda isso ficou cada vez mais complicado.
O teatro
LA: Por que fazer teatro?
SP: Hoje? Porque não sei fazer outra coisa que me der mais prazer, felicidade e
satisfação.
LA: Quais as dificuldades que existiam e que ainda existem para exercer a sua
profissão?
SP: Respeito profissional, contratos de qualidade e políticas públicas culturais
descentes e eficientes.
Foto: Divulgação |
LA: Você tem algum apoio do Governo, empresas privadas?
SP: Nada, sou produtor independente.
LA: Sua fonte inspiração?
SP: A sociedade em geral.
LA: Qual a reação da plateia ao ver os seus espetáculos?
SP: Outro dia ouvi duas coisas bem legais de espectadores. A primeira dizia que eu sou
a “vedete do teatro cearense”. Já a segunda, e a que me deixa mais feliz, foi que ele
disse que eu popularizei o teatro em Fortaleza, contribui para transformar o teatro em
algo “mais povão”.
LA: Cerca de 250 apresentações do mesmo espetáculo (Uma Flor de Dama). Orgulho?
SP: Hoje são 369 apresentações em 10 anos de trabalho. Tenho muito orgulho disso, mas tenho muita certeza que nada é para sempre, por isso estudo, reinvento e sigo experimentando.
LA: Ator, dramaturgo, diretor, professor de teatro, dançarino. Algo a mais?
SP: [Rsrsrs] Maquiador, iluminador, sonoplasta, aderecista, militante, produtor,
figurinista. Eu entrei no teatro com os dois pés, fiz questão de aprender um pouco de
cada área para saber exatamente onde devo agir.
La: Qual a sua “missão” como professor de teatro e ator?
SP: Eu já disse uma vez que “o teatro me salvou”. Se não tivesse conhecido o teatro
não sei para onde teria ido tanta inquietação. Portanto, quero isso. Não é salvar as pessoas, quero que elas descubram no teatro aquilo que consegui ver e que me transformou.
La: De acordo com Carri Costa e Ricardo Guilherme (diretores e atores de teatro cearenses), na palestra sobre teatro na Livraria Cultura, houve a crítica que os diretores de teatro fazem espetáculos para os próprios artistas. Verdade? Por quê?
SP: Acho que alguns sim, mas eu não. Primeiro porque faço um teatro que acredito e
muito. Só subo ao palco se for algo que me faça questionar, provocar, expurgar
sentimentos. Eu faço para todo tipo de público e principalmente para eles, não ligo muito para o que a classe artística acha. Tanto que, se eu ligasse já teria desistido há muito tempo atrás de fazer o teatro transformista que faço.
La: Existe alguma diferença entre o seu público local com de outra região?
SP: A única diferença é que em outras regiões eu não sou conhecido. No Ceará, tem uma coisa muita linda que é o fato do público reconhecer e apostar no meu trabalho. Já em outras regiões eu sempre chego à estaca zero, abrindo espaço. Entretanto, em outras regiões a receptividade tem sido muito grande e gratificante.
O espetáculo “Uma flor de dama”
LA: O que lhe fez fazer uma adaptação do conto “Dama da Noite” do livro “Os Dragões Não Conhecem o Paraíso, de Caio Fernando Abreu para o teatro?
SP: A minha Dama surgiu porque eu passei a conviver com travestis no ano de 2000 e
me incomodava muito vê-las tão discriminadas. Assim, usei essa minha questão
pessoal dentro do teatro no intuito de provocar o social.
LA: Você teve que “se prostituir”. Ir às ruas com as prostitutas para saber na prática a vida de cada uma delas. O que aprendeu com essa experiência?
SP: Eu de fato fui para as ruas e acompanhei o dia e a noite das meninas, mas não tive
que me prostituir, era um trabalho de laboratório de ator. Eu aprendi a respeitar, a
conhecer antes de julgar, a dar afeto antes de machucar.
LA: Qual a relação entre “Uma flor de dama”, “Cabaré da dama” e “Engenharia
Erótica”?
Engenharia Erótica
SP: São espetáculos em repertório do Coletivo Artístico As Travestidas que tratam do
Cena de "Uma Flor de Dama" Foto: Divulgação |
LA: No monólogo, Uma Flor de Dama, você diz “Eu sou nordestina, pobre, do interior e
viado.” Você refere-se a si mesmo?
SP: Sim, existem várias coisas no espetáculo Uma Flor de Dama que são de minha vida.
Não achava justo expor a vida das meninas que pesquisei e sair ileso.
Travestir
LA: O que é ser travestir?
SP: Gente, como qualquer outra. O que a sociedade preconceituosa precisa descobrir
é que estamos em um mundo onde as diferenças estão na cara, não há mais como
esconder e nem por que. Logo, aceitem as diferenças.
LA: Quem são essas garotas? Qual o papel das mesmas na sociedade? Qual a posição
da família quanto a isso?
SP: A travestir é o filho renegado. Elas são marginais porque a família, a religião, a escola e o mercado de trabalho não aceitam (em sua maioria), por isso viram marginais. Elas precisam criar um novo mundo para poder sobreviver.
LA: Como é a vida de uma travestir?
SP: Depende. Existem advogadas, doutoras, mestras, enfermeiras, atendente de
Foto: Reprodução / Facebook |
LA: Se você tivesse a oportunidade de falar em rede nacional o porquê que as travestis são pessoas normais, tem um trabalho digno, têm seus princípios, enfim. O que você teria a dizer?
SP: A travestir só será aceita no dia em que a família, a religião, a saúde e a educação
entenderem o respeito pela diferença. Só assim elas deixarão de ser marginais, pois terão oportunidades de viver em paz, sem precisar passar por tanta humilhação e agressão. Qualquer ser humano que leva pancada a vida inteira vai aprender a ser agressivo, ter o corpo e a mente atenta para revidar. Isso não é qualidade de travestir. É do ser humano o estado de defesa, de medo e de luta. Por isso, somos todos iguais, pois todos sentimos as mesmas coisas.
LA: Como o Governo pode “amenizar” o preconceito que existe em relação a elas?
SP: Escola, escola, escola. Digna e de respeito. Ensinando desde cedo a respeitar o outro pelo seu direito de amar a quem quiser.
O translendário
LA: Qual a intenção em ter criado o translendário?
SP: A mesma de todos os nossos trabalhos: questionar sobre o papel da travestir na sociedade. Fazer as pessoas falarem a respeito, enxergarem elas em outras situações que não a da marginalização, decadência ou prostituição.
LA: Qual a reação das pessoas em relação ao translendário?
SP: Ama ou odeia. Quem odeia, ou é religioso extremista ou é preconceituoso. Quem
ama entendeu nossa questão e percebe que não se trata de ofensa, mas sim de grito
liberdade.
Paraíba, RN
LA: O que de fato houve em Paraíba: prepotência dos policiais?
SP: Total abuso de poder. Estávamos passeando pelas ruas, em Paraíba, quando
fomos abordadas de maneira agressiva e sem necessidade. Fomos insultadas
verbalmente e ameaçadas com arma pelo simples fato de tomarmos
cervejas travestidas numa esquina da cidade.
LA: Como o acontecimento foi questionado entre os amigos e a imprensa?
SP: A Imprensa partiu para o sensacionalismo e não se sentiu interessada em apurar
os fatos, apenas em notificá-los por alto e ainda, em algumas, favorecendo a polícia. Já
os amigos e o público que conhecem nosso trabalho se sensibilizaram e estiveram nos
apoiando, inclusive alguns órgãos da cidade de Sousa (PB).
Porto Alegre, RS
LA: Qual foi a sua missão em Porto Alegre?
SP: Realizar uma residência de seis meses com artistas, travestis, transformistas e
ONGs de militância LGBT no intuito de montar um espetáculo de teatro.
LA: Como foi para se adaptar ao local? O que você aprendeu por lá?
SP: Porto Alegre é uma cidade muito receptiva e cheia de oportunidades. Foi muito fácil à adaptação, inclusive com planos de viver mais tempo por lá. Trata-se de uma cidade de respeito, pessoas extremamente educadas, que tratam do lixo seco e lixo orgânico com muita seriedade, uma cidade de acessibilidade e de vida cultural intensa. Cheia de problemas, sim, como toda cidade, mas com uma população que vai às ruas e questiona a todo instante o poder público.
LA: O que Porto Alegre significa em sua carreira?
SP: Um recomeço. Um novo olhar para a minha arte e as minhas perspectivas.
LA: Gostaria de agradecer aos amigos que você conquistou em Porto Alegre?
SP: Faço isso a todo instante através das redes sociais. Amo todos. Fui extremamente
bem recebido.
O futuro
LA: Até onde você pretende chegar com a sua profissão?
SP: Não sei até onde pretendo chegar. Sei que quero estudar, fazer mestrado em
teatro na cidade de Porto Alegre e rodar o país com um trabalho. No momento sei que
quero isso.
LA: O que você ainda pretende conquistar futuramente?
SP: Meu mestrado e voltar a dar aulas de teatro
LA: Algum projeto novo? Detalhes?
SP: BR-TRANS acabou de estrear, preciso me dedicar à carreira desse novo trabalho, mas em outubro estamos indo à Porto Alegre fazer temporada dos espetáculos de repertório do Coletivo As Travestidas e também fechando apresentações por Rio e Sampa.
Pense Rápido
Um sonho
Rodar o mundo trabalhando
Um desejo
Continuar fazendo Teatro
Medo
Perder o foco
Orgulho
Do que conquistei e da pessoa que me transformei
Uma pessoa
Minha mãe.
Encenar
Transformar em físico aquilo que sou por dentro
Agradecimentos
Mãe, As Travestidas, meus alunos, Grupo Parque de Teatro, Inquieta Cia. de Teatro, Paulo Ess, Sandro Ká, Jezebel De Carli, André Haguette, Regina Jaguaribe, ao Cariri e ao público em Geral.
Silvero Pereira por Silvero Pereira
Uma bichim, um menino, um guri, uma criança que mesmo adulto ainda consegue
fazer de maior alegria, de sua maior brincadeira, uma profissão.
Engenharia Erótica Foto: Divulgação |
Fonte: Youtube / SilveroPereira
Especial Silvero Pereira
Fonte: YouTube / NossaTribo
Bacana a reportagem que traz a tona alguns temas que sofrem ainda preconceito.Belo trabalho do Silverio .Parabéns.
ResponderExcluirQue trabalho lindo, muito lindo. Estou passada com o conteúdo. Ótimas perguntas, belíssimas resposta. História de vida INCRÍVEL. Que ator cearense deslumbrante. Não o conhecia. Como assim? Parabéns, tá pereito, lindo demais. Isso o jornal atual NÃO divulga.
ResponderExcluirCaralho, velho. Eu não tenho o costume de assistir espetáculo. Mas depois desse cara.... Quero assistir qualquer peça dele... meus amigos dizem que é coisa de viado, mas eu não acho não. Isso é cultura galera, é arte, é tudo de bom. Parabéns em todos sentidos. pqp. [não tenho email, mas me chamo Micael.] flws
ResponderExcluirParabéns! Lindo trabalho, linda entrevista! E o mais belo de tudo, é a sua garra, sua coragem, sua força de vontade! Parabéns! Muitas conquistas ainda estão por vim!
ResponderExcluirAtor, pesquisador e filósofo trans que faz do corpo artes plásticas, teatro e vida...
ResponderExcluirUm abraço
Sou muito fã desse cara, Silvero é uma das maiores inspirações de muitos, memos os mais velho que não querem admitir. Muitas felicidades na vida, porquê sucesso e talento, você já tem de sobra!
ResponderExcluirNossa que linda entrevista. Adorei. Quanto ao rei, Silvero, é tudo de bom. Profissionalismo em pessoa. SUPER ator. É ótimo representando. Sua pesquisa inusitada, encantadora, linda. Parabéns!
ResponderExcluirAh!! Silvero é um deus aqui na terra, e como deus pode se transformar no que quiser e levar com ele os corações que arrebata. Amo demais o trabalho e a pesquisa que ele vem desenvolvendo.
ResponderExcluir